quinta-feira, 28 de abril de 2011

A essência da Democracia

A Partir da ascensão da burguesia no século XVII algumas transformações sociais e políticas importantes começam a ocorrer na Europa, sobretudo no que se refere à mudança na legitimidade do poder constituído. Uma pequena retrospectiva se faz necessária para entendermos os momentos que antecedem ao surgimento da moderna democracia.
Até o século XVII os monarcas na Europa concentravam em si o poder absoluto no governo, eram a esfera máxima e indelével de toda a organização política do Estado. Basta lembrarmos do rei Luís XIV na França, que se intitulava o “rei sol”, dado sua ideia de que todas as decisões giravam e dependiam dele (e de fato giravam e dependiam!). Contudo, os movimentos desencadeados pela classe burguesa forçaram as estruturas políticas existentes a se romperem progressivamente. Salientamos que esse desejo de mudança vinda de uma classe emergente se ancorava na ideia do comércio livre, coisa que os monarcas absolutos controlavam duramente dado a necessidade de manter um estado forte e soberano.
As chamadas “Revoluções burguesas” desencadeadas no período em grande parte do continente europeu propunham uma mudança radical na forma de organização política, sobretudo porque retiravam a concentração do poder das mãos dos monarcas e os vinculava a um aparato central, no caso uma legislação e um parlamento de representantes do povo (não convém aqui elucidar o que na época se entendia por “povo”).
Esse modelo de política, germe da democracia moderna, direcionava para o fim do poder soberano e pétreo – que baseava sua legitimidade na “vontade de Deus” ou mesmo na força física – e passa a ancorar seu fundamento de legitimidade no consenso da maioria.
De acordo com o filósofo Claude Lefort, o lugar do poder numa Democracia é sempre “um lugar vazio”, ninguém pode se identificar com ele, sendo, portanto, um lugar transitório, onde a personalização não pode ser aceita, caso contrário a democracia estaria ameaçada pela personalização do poder, isto é, o poder passa a se identificar com a figura de uma pessoa e não mais com o lugar, e isso não caracteriza uma Democracia.
Apenas para exemplificar e tornar mais visível o fundamento primeiro da democracia, é bom lembrarmos dos recentes movimentos no mundo árabe em prol do fim dos governos ditatoriais que se assentam na legitimidade baseada na força física, violência ou mesmo vontade de Alá. Muamar Kadafi na Líbia é exemplo claro disso.
A democracia moderna, conforme argumento da filósofa Marilena Chaui, tem como pilares de sustentação três elementos: primeiro, o conflito, entendido como a essência dos debates e das divergências de opinião, não o conflito no sentido pejorativo, mas aquele debate saudável de argumentos contrários. Segundo, a abertura; toda e qualquer informação pode e deve circular livremente, sem censura de qualquer tipo. E, finalmente, a rotatividade; todo cargo ou posição pública eletiva deve ser, em essência, um lugar vago, nunca uma bandeira fincada de um partido, grupo ou pessoa que dele se apossa e tira vantagens em detrimento da coletividade.
Chegamos ao ponto, esses elementos que formam a espinha dorsal da democracia moderna podem levá-la à ruína, pois admite, logo de saída, seus próprios opositores. A democracia, na defesa da liberdade de pensamento e expressão, permite o surgimento até dos seus detratores, ou seja, “mãe bondosa” a democracia ama até os que a odeiam e colocam em risco sua sobrevivência.
O Brasil, enquanto país democrático de legitimidade consensual, onde o povo é fundamento de todo poder constituído, precisa ficar atento em relação a sua Democracia; é preciso que ela própria amadureça – o que depende do amadurecimento daqueles que fazem parte dela. O povo, maior beneficiário deste regime de governo precisa vigiá-la, cuidá-la para que os opositores não se aproveitem do cochilo da “mãe bondosa” e dilapem sua essência, restaurando a tirania, a censura e a perseguição. Todavia, para que o povo possa assumir integralmente sua parte no processo é preciso que se considere como constituinte fundamental deste próprio projeto democrático, isso só acontecerá quando amadurecer culturalmente e politicamente e não delegar para outrem as decisões coletivas que também dever ser suas. Pensemos nisso!
Voltem sempre!